terça-feira, 31 de março de 2009

Quer empreender? Cuidado!

O sonho do empreendedorismo seduz muitos executivos em dificuldades - mas a necessidade pode ser má conselheira Por Daniela Diniz
Existe baque profissional mais doloroso que uma demissão? Existe, sim. É ser demitido e, na seqüência, perder também as economias guardadas durante anos de trabalho. Isso vem acontecendo com grande número de executivos, seduzidos pelo velho sonho de montar o negócio próprio -- e pressionados pela angústia e pela ansiedade decorrentes de um mercado difícil. Segundo a consultoria de recursos humanos Adecco, 40% dos profissionais atendidos em seu escritório chegam com o discurso de abrir uma empresa. Na Lens & Minarelli, consultoria especializada em aconselhamento de carreira, 22,3% dos profissionais atendidos entre 2002 e 2003 decidiram desenvolver projetos particulares. Na Fesa Global Recruiters, empresa de seleção de executivos, montar um negócio é desejo quase unânime dos profissionais que aceitaram Planos de Demissão Voluntária (PDV), acabaram de se aposentar ou foram demitidos. "Diante de um cenário de insegurança nas empresas, abrir um negócio virou o plano B de qualquer executivo", diz Denys Monteiro, consultor da Fesa Global Recruiters. "O problema é que nem todos estão preparados para isso". Essa situação faz com que o espírito empreendedor -- vital para o enriquecimento de indivíduos e o progresso dos países se transforme de solução em problema. De acordo com o Global Entrepreneurship Monitor, que analisa o empreendedorismo em 37 países, o Brasil é a nação que mais empreende por necessidade (e não por oportunidade). Muitos desses casos são de profissionais que, cansados de esperar uma recolocação no mercado, decidem partir para vôo solo. "Muitos acham que têm um negócio em mente, mas na verdade só têm uma idéia", diz Ieda Novais, presidente da Mariaca & Associates, empresa de recrutamento de executivos. E essas idéias nem sempre podem ser traduzidas no papel como um negócio viável e lucrativo no longo prazo. Apesar de não faltarem exemplos de executivos bem-sucedidos como empreendedores, muitos profissionais brilhantes destroem parte de seu patrimônio na aventura. Basicamente por duas razões: otimismo demasiado e falta de conhecimento no negócio. "Há muita fantasia em torno do termo empreendedor", diz Mariá Giulese, da Lens & Minarelli. "Muitos acreditam que vão abrir um negócio da China e depois percebem que outros já tiveram a mesma idéia".(Veja as mais comuns no quadro ao lado). Algumas vezes, é o negócio que não oferece o retorno esperado. Outras vezes, mesmo dando resultado, o ex-executivo não se adapta à nova vida. "De cada 100 empresas que são abertas no Brasil, 31 fecham no primeiro ano", diz Alencar Burti, presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). "Em cinco anos, cerca de 70% fecham".Essa taxa de fracassos não é particularidade do Brasil. E os executivos, que teoricamente passaram boa parte da vida lidando com negócios, não são um grupo imune. Um exemplo é o administrador de empresas paulista Ricardo Nagata, de 30 anos, ex-gerente de contas da Vivo. Nagata apostou nos seus dez anos de conhecimento em telefonia e, acompanhado de um amigo, decidiu abrir um negócio no começo do ano passado. "Estava um pouco frustrado com a vida de executivo", diz. "Achei que era o momento certo de investir em outro tipo de carreira".Em um mês, ele e o amigo alugaram um escritório e montaram uma empresa de prestação de serviços em telefonia. Não demorou muito para notar uma realidade bem diferente da que imaginava. "Meu grau de dificuldade foi três vezes maior do que eu supunha", diz. "Percebi que em uma semana a concorrência fazia o trabalho que para nós demorava meses". Subestimar a concorrência foi o primeiro erro de Nagata. O segundo foi acreditar que o investimento de 50 000 reais sustentaria o negócio. Durante um ano, em nenhum mês ele obteve um salário maior do que quando trabalhava na Vivo. Mesmo que sobrasse um pouco, era necessário colocar o excedente na empresa. "Quando estamos do outro lado, começamos a dar mais valor à vida corporativa", diz ele. "Hoje eu sei o custo que tem um empregado e o que significa ter férias, 13o e uma estrutura que sustente o negócio".Nagata vendeu sua parte ao sócio e agora busca recolocação como executivo. "Não tenho outra alternativa a não ser voltar para o ambiente corporativo", diz. "O pior de ver um projeto que não deu certo é que você não tem em quem colocar a culpa. Ela é toda sua". Frustrações são comuns nesses casos. Primeiro porque, muitas vezes, são sonhos que vão para o espaço. Segundo -- e aí dói mais no bolso -- porque tempo e dinheiro foram desperdiçados com a empreitada. "Muitos executivos aceitaram planos de demissão voluntária e torraram dinheiro ao abrir um negócio", diz Denys, da Fesa. "Às vezes, o problema não era nem falta de estrutura, mas dificuldade de se adaptar ao novo ritmo de trabalho".Essa é outra armadilha. Alguns profissionais acreditam que podem transferir seu espírito empreendedor para o próprio negócio, mas não suportam a idéia de negociar crédito com banco ou ter de pagar as próprias contas. O modelo de sucesso para esse tipo de executivo está mais para uma sala grande, viagens ao exterior e todos os benefícios que uma grande empresa costuma oferecer a quem chega ao topo. "Há executivos que são excelentes empreendedores dentro das empresas", diz Eduardo Bom Ângelo, coordenador do centro de empreendedorismo do Ibmec e autor do livro Empreendedor Corporativo. "Ao migrar para um negócio próprio, porém, eles podem não responder da mesma forma". Ao se despedir da consultoria de gestão Arthur D. Little em 2000, o economista carioca Olavo Cunha, de 33 anos, achou que esse tipo de coisa não faria diferença em sua vida de empreendedor. Estava enganado. "Senti falta até de ter chefe", diz Cunha. "Quando tinha um problema maior, não sabia a quem recorrer. Os outros sócios sabiam tão pouco quanto eu".O negócio de Cunha, uma empresa ponto-com de cupons promocionais, foi montado em março de 2000, com três sócios. Do plano de negócios ao início das atividades, levaram duas semanas. "Estávamos hipnotizados pelo negócio e só conseguíamos ver pontos positivos", diz. De uma hora para a outra, Cunha teve de driblar problemas com uma agência de publicidade e atritos com fornecedores. E isso não lhe agradou. "Quando se chega a certa posição em uma empresa, você está protegido desse tipo de problema", diz. Depois de um ano de ponto-com, Cunha e seus sócios perceberam que o negócio não era sustentável no longo prazo e decidiram vendê-lo a um concorrente. Dividiram o dinheiro e cada um seguiu seu rumo. Dois meses depois, Cunha era consultor no Boston Consulting Group, cargo que ocupa hoje. "Voltei a ter uma identidade corporativa", diz. "Hoje, sou o Olavo, do Boston Consulting". Cunha teve sorte. É comum esse retorno demorar e o profissional ter de aceitar propostas bem abaixo do que estava acostumado. "Já vi muito executivo que ganhava 10 000 reais por mês voltar para ganhar 3 000", diz Silmara Valentine, diretora de consultoria e RH da Adecco. "Em alguns casos, em vez de abrir negócios, é melhor o profissional investir na carreira ou simplesmente esperar outras oportunidades". Isso não significa que ser empreendedor é um mau negócio. Significa que é um caminho cheio de dificuldades, não uma solução fácil. Melitha Novoa Prado, advogada especializada em franquias, enumera os principais motivos de fracasso: "Muitos empreendedores fazem planos de negócios baseados em falsas premissas, acreditando que conhecem bem o mercado ou que contarão com uma boa base de clientes no futuro. Alguns acreditam que têm aptidão para empreender, mas nasceram para executar". Outro problema é a irresponsabilidade. "Vejo muita gente assinando contratos ou comprando negócios sem saber o que está fazendo. Vai por impulso ou por achar que um empreendimento vai salvar sua vida".Outro motivo para o fracasso é a idealização, segundo João Marcos Varella, consultor da DBM e especialista em aconselhamento de carreira. "Muitos confundem ser cliente com ser empreendedor e querem transformar um hobby em uma empresa", afirma. Não basta gostar do ramo. "Quem quer ser empreendedor deve fazer toda a lição de casa", diz Bom Ângelo, do Ibmec. Isso inclui estudar o mercado, ler sobre o assunto, pôr no papel todos os riscos e analisar se está disposto a corrê-los.
Exame 807 de 04.12.2003

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